Um dos perigos que corremos frequentemente é meter tudo no mesmo saco, achar que a realidade é a preto e branco. No jornalismo, e em Braga em particular, também há uma escala de cinzentos que não podemos ignorar. Não há o “jornalista-tipo”. Quando muito há alguns perfis. Há jornalistas do quadro, há jornalistas a receber à peça (recebem em função dos trabalhos que vêem publicados, mesmo que tenham apresentado mais artigos), há jornalistas com avenças, há jornalistas a ganhar muito mal, mal e razoavelmente…
Uma das principais divisões que se pode estabelecer é entre os jornalistas que trabalham para os órgãos de comunicação nacionais (sejam do quadro, correspondentes, colaboradores ou outra coisa do género) e os “media” locais (regionais?).
Regra geral, os jornalistas dos nacionais andam sempre preocupados com a dificuldade que têm para “meter as peças”. Aparentemente nunca há espaço para o que se passa por cá, o que nos deve fazer reflectir sobre os critérios de noticiabilidade* desses órgãos de comunicação. Quem lê fica com a impressão de que a geografia ainda conta muito na hora de decidir o que é que é notícia, da mesma forma que se mantém a velha máxima do “más notícias são boas notícias”.
Neste casos, as peças são feitas e refeitas. Um jornalista de um jornal nacional pode muito bem apanhar um susto na manhã seguinte ao ver aquilo em que o seu artigo se transformou. O editor é um ser mais ou menos distante, muitas vezes descrito como carrasco ou insano.
Os correspondentes, colaboradores, avençados ou como se lhes quiser chamar dos nacionais acabam por desenvolver estratégias de sobrevivência. Aparentemente usar o silêncio como alma do negócio é uma delas, embora este jogo do gato e do rato com os editores me pareça absurdo se o objectivo é melhorar a organização do meio onde se trabalha. E se todos resolverem começar a trabalhar em segredo? E se todos decidirem tratar a mesma estória? E se o editor achar que não interessa?
No extremo oposto temos os jornais locais/regionais, nos quais o trabalho dos jornalistas se mede ao quilómetro. Há jornalistas que, em alguns dias, têm mais de meia dúzia de páginas para encher. E “encher” é a palavra certa. Quando se pede a uma pessoa que mantenha este ritmo de produção, a ordem natural das coisas é para, pura e simplesmente, preencher a página com o que aparecer, de preferência por e-mail porque o tempo passa e é preciso cumprir as horas de entrega do material.
Fazer jornalismo de qualidade exige trabalho de terreno, investigação, confrontação de fontes, maturação… Quando um jornalista, por mais rápido e eficiente que seja, tem de apresentar várias páginas ao fim do dia, não pode obviamente fazer milagres. Alguma coisa tem se ser sacrificada. E normalmente é a qualidade. O que dizer, então, dos critérios de noticiabilidade?
Nestes casos, o editor está próximo. Não é o carrasco que dita ordens a centenas de quilómetros. Mas normalmente há mecanismos de controlo de qualidade pouco eficientes. Um jornalista da imprensa local/regional também pode apanhar um susto na manhã seguinte ao ver o que vem assinado com o seu nome: as gralhas e os erros que ninguém conseguiu detectar antes da impressão.
Na hora de avaliar o trabalho de um jornalista – e há desde o péssimo até ao excelente – é preciso ter presente o contexto no qual ele desenvolveu o seu trabalho. Sob pena de, injustamente, acharmos que a culpa é sempre dos jornalistas.
*Segundo Nelson Traquina, no livro “A Tribo Jornalística – Uma Comunidade Transnacional”, o conceito de noticiabilidade pode ser definido como «o conjunto de critérios e operações que fornecem a aptidão de merecer um tratamento jornalístico, isto é, possuir valor como notícia. Assim, os critérios de noticiabilidade são um conjunto de valores-notícia, que determinam se um acontecimento ou assunto é susceptível de se transformar em noticia, isto é, ser julgado com merecedor de ser transformado em matéria noticiável, por isso, possuindo “valor-notícia” (newsworthiness)».
Publicado no Trio de Rachar, a 5 de Dezembro de 2007
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