quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Petição on-line «abriu um terreno inovador de intervenção cívica»


O professor associado do Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade do Minho Manuel Pinto considera que a iniciativa da petição on-line sobre o regresso do eléctrico a Braga «abriu um terreno inovador de intervenção cívica e criou um precedente de democracia participativa». Este especialista e animador do blog Jornalismo e Comunicação defende, em entrevista via e-mail, que «casos destes têm-se vindo a multiplicar noutras paragens», mostrando que «é possível criar condições para enfrentar problemas velhos» com o recurso a «novas ferramentas de informação e de actuação em rede».


Diário do Minho (DM) – Independentemente da decisão do executivo autárquico acerca do eléctrico, o debate gerado por esta petição on-line mostra que os cidadãos podem, com a tecnologia disponível, condicionar mais facilmente do que no passado a discussão política? E a agenda dos meios de comunicação?
Manuel Pinto (MP) – O caso desencadeado pela iniciativa do blog “Avenida Central” é muito interessante por vários motivos. Porque dá conta de um esforço sério e atento do autor daquele meio de comunicação digital; porque dá expressão independente a uma preocupação partilhada por muitos outros concidadãos; porque “obriga” as várias forças políticas a vir a terreiro pronunciar-se; e porque entra num jogo de marcação-complementaridade relativamente aos “media” locais. Casos destes têm-se vindo a multiplicar noutras paragens. São sinais de um tempo novo em que, com novas ferramentas de informação e de actuação em rede, é possível criar condições para enfrentar problemas velhos. Braga é uma cidade amiga dos carros. E pode ser mais amiga das pessoas e do ambiente. Pela via do blog, lançou-se um problema para a mesa do debate público. Se viesse de um partido (como já tinha vindo), provavelmente não passaria de uma ideia. Agora, pode não ir muito mais longe do que isso (oxalá me engane), mas abriu um terreno inovador de intervenção cívica e criou um precedente de democracia participativa.

DM – O interesse por esta questão pode configurar a audição da chamada "sociedade civil" ou uma colagem política porque fica bem estar ao lado da preocupações dos cidadãos?
MP – Sem querer atribuir excessivo valor aos números, parece-me que uma questão desta natureza, local como é, sufragada por mais de 800 votantes que participaram através do seu voto on-line, é bastante significativa. Há provavelmente aqui um efeito associado à novidade de a iniciativa surgir pela via da Internet e recorrendo a um meio que está na moda, como é o caso dos blogs. Mas, seja como for, foi dado um sinal de que o problema existe e que cabe às forças políticas estudá-lo e encontrar uma solução para ele. Sabendo que, dando-lhe seguimento ou entravando o projecto, vão ter bastante mais gente atenta e a escrutinar cada um dos passos que vier (ou não) a ser dado.

DM – Este é um exemplo de como a Internet aumentou a possibilidade de participação dos cidadãos na discussão sobre o espaço público onde moram?
MP – Creio que sim. As ferramentas existem, são simples e cada vez mais acessíveis, ainda que estejam longe de resolver o que quer que seja. Apenas facilitam a iniciativa de quem quer assumir as suas responsabilidades cívicas, em vez de ficar à esquina ou à mesa do café a dizer mal de tudo e de todos.

DM – De que forma é que os cidadãos podem exercer essa participação?
MP – Se as ferramentas novas que a Internet nos proporciona garantissem o envolvimento qualificado dos cidadãos, seria de esperar muito mais participação do que aquela que há. As dificuldades são mais largas e mais fundas. Desde pequenos precisaríamos de aprender a ser cidadãos activos e intervenientes. Essa cultura da participação deveria ser promovida e trabalhada em casa, na escola, nas associações, nas paróquias, nas autarquias. Indo por essa via, o domínio das novas tecnologias da informação e da comunicação pode dar uma grande ajuda.

DM – Há riscos para a comunidade se o poder andar atrás de iniciativas deste género, a seguir agendas particulares?
MP – As agendas particulares deixam de o ser quando são assumidas por grupos mais largos e se tornam como que movimentos de cidadãos. De resto, não vejo estas iniciativas como ameaças aos partidos ou aos poderes instalados, mas como estímulos e desafios a um exercício do poder assente numa efectiva proximidade com os cidadãos.

11/10/2007 (data de publicação)

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