sábado, 8 de dezembro de 2007

(Con)Tradições


«Diariamente trabalho com ferramentas na Internet. As chamadas novas tecnologias são o meu “cinzel”. Com normalidade, contacto pessoas que estão do outro lado do mundo em tempo real e colaboro em trabalhos com outras entidades que apenas conheço pela “Rede”. O mundo é realmente uma aldeia. Mas será para todos?

Todos os dias, quando saio, ela já está lá. Quer chova, quer faça sol, quer esteja calor ou frio, a sua frágil figura não nos deixa indiferentes. Já rondará a casa dos 70 e deve ser das últimas peixeiras do tipo ambulante do nosso “burgo”. Por ventura ainda embrulhará as sardinhas em jornal, ou talvez não, porque a ASAE anda mesmo por aí, mas se as embrulhar, quiçá este mesmo artigo não seja um dia material para esse mester (o exercício de nos vermos, mais os nossos pensamentos escritos, a embrulhar um qualquer quarteirão de sardinhas é um bom exercício de humildade...).

Da aldeia global, esta peixeira apenas deve conhecer o peixe que por ventura virá de Espanha e que, assim, se torna mais barato.

As mutações sociais são uma evidência. Uns ofícios perdem-se para, em princípio, se ganharem outros.»
Nuno de Matos

em Alto Minho, 07.12.2007, pag. 33


Todos temos uma “estória” semelhante a esta para contar. Na minha rua passa uma mulher que persiste em fazer aquilo que sempre fez: amanhar a terra. Na falta de melhor forma de escoar os produtos, e revelando o tal espírito empreendedor que agora está na moda, decidiu pôr os pés ao caminho e trazer os produtos agrícolas até à cidade.

Num tempo em que cada vez mais pessoas preferem fazer as compras do supermercado on-line, porque se poupa tempo e os produtos são melhores, uma vez que não passam pelo período de exposição e apalpação na loja, este é um serviço surpreendente. Um potencial wcliente nunca sabe se deve comprar ou chamar as autoridades para denunciar a economia paralela.

Num carrinho de mão, segurado por braços musculados e mãos de pele grossa e tisnada, transporta um autêntico bazar da terra, que inclui laranjas, cebolas, alhos, couves, nabiças, salsa e muitos outros produtos que não encaixam nas medidas padronizadas que os regulamentos impõem.

Para mim, nada e criada no campo, numa família de agricultores, o mais espantoso foi redescobrir o sabor do leite de vaca. Redescobrir que o leite tem gordura, que se pode transformar em manteiga caseira. Redescobrir o que é ficar à espera que o leite ferva num fervedor, em vez de aguardar que aqueça já dentro da tigela no microondas. Redescobrir...

Estas pequenas/grandes descobertas são importantes para nos lembrarmos de que há algo mais para além dos múltiplos ecrãs que preenchem a existência de cada vez mais pessoas. São sinais que nos alertam para o perigo de vivermos um simulacro em vez da vida real.

1 comentário:

Sérgio Costa disse...

Podemos traçar um sumário desta situação. Será que a nossa realidade não tem nada a aprender com a senhora que apenas amanha a terra? é certo que o tempo e a agitação da vida ajuda em muito o aumento do comodismo. Mas será que a outra realidade não nos dá por vezes uma tareia quando falamos em felicidade? Eles não precisam de muito para serem felizes. E nós?