quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Concentração dos "media" limita liberdade de imprensa


Silvino Évora defende que predomínio dos grupos fragiliza a democracia

A concentração da propriedade dos meios de comunicação social limita o exercício do direito à liberdade de imprensa, não só através das pressões directas que esporadicamente os jornalistas sofrem, como também através de “incentivos” à prática da auto-censura por parte dos profissionais da informação. Esta é a conclusão de uma investigação levada a cabo por Silvino Évora, no âmbito do mestrado em Ciências da Comunicação da Universidade do Minho.

O investigador realizou um inquérito a cem jornalistas de todo o país e entrevistou alguns profissionais de órgãos de comunicação pertencentes aos quatros principais grupos mediáticos nacionais – Impresa, Media Capital, Cofina e Controlinvest – e outros sem ligação a estas empresas. Os dados demonstram que os «jornalistas têm a consciência de que a concentração da propriedade dos media limita a sua liberdade de actuação, acabando o conhecimento do facto por funcionar como um mecanismo que estimula a prática da “auto-censura”».

Na tese “Concentração dos media e liberdade de imprensa”, Silvino Évora refere que 75 por cento dos inquiridos entendem que a concentração “domestica” quase todos os jornalistas. Quando questionados sobre se a concentração obriga os jornalistas a abandonarem certos assuntos para evitar problemas com a empresa, 32 por cento dos inquiridos dizem concordar totalmente e 35 por cento concordar em parte. No entanto, 31 por cento afirmam nunca ter sentido pressões ao ponto de dificultar o seu trabalho e 38 por cento admitem que isso acontece poucas vezes.

Se 37 por cento dos inquiridos apontam a auto-censura como a forma mais habitual de restrição à liberdade de imprensa, 27 por cento entendem que a censura das administrações das empresas é a forma de constrangimento mais comum na comunicação social portuguesa. «A auto-censura é o caminho que muitos jornalistas adoptam para evitar confrontos com a empresa em que trabalham», sublinha.

«As empresas não estão interessadas em dar uma visão do passado, em que funcionava o lápis azul da censura. Há, actualmente, novas estratégias para que os jornalistas façam o que as empresas querem. A auto-censura ajuda o jornalista a harmonizar-se com a empresa, mas ao mesmo tempo faz com que ele vire as costas ao público», afirma.
A precariedade de emprego é, neste cenário, uma das principais vulnerabilidades dos jornalistas. «A precariedade de emprego é o principal factor que contribui para a degradação do espaço de liberdade informativa e, no limite, para a deterioração do próprio espaço público», diz.

«Hoje não se pode dizer que haja “bons empregos” no jornalismo. Os que já têm nome vão ficando. Os que estão a entrar na profissão estão numa situação mais complicada, com contratos a termo, a trabalhar a recibos verdes ou à peça. A precariedade é reinante», explica Silvino Évora.

Para o investigador, «alguém que está a recibos verdes não vai recusar-se a fazer um trabalho. Quem está numa situação precária não vai ter coragem de dar sugestões. Até os jornalistas que estão há mais tempo nem têm voz nem à-vontade para contrariar o que a empresa determinar».

«É necessário repensar o mercado profissional do jornalismo e é preciso apertar a vigilância sobre as condições em que os jornalistas mais jovens laboram», uma vez que «entre assegurar o emprego e defender a ética profissional, optam claramente pelo primeiro».

Economia
vence democracia


Silvino Évora argumenta que a concentração dos principais órgãos de comunicação de um país na mão de poucos grupos económicos contribuiu para a fragilização da democracia. Especialmente quando «mais de 50 por cento dos jornalistas inqueridos concordam com a afirmação de que, em Portugal, a liberdade de imprensa é insuficiente para a prática de um jornalismo completamente livre e isento».

«Os jornalistas procuram passar a ideia de que, no exercício da sua actividade, colocam em primeiro plano o bem-estar colectivo, uma vez que se preocupam com a consolidação da democracia portuguesa, mas, ao mesmo tempo, têm a consciência de que quem mais ganha com a sua actividade é o grupo para o qual trabalham», nota Silvino Évora.

«Mais do que “profissionais da democracia”, os jornalistas são hoje funcionários de empresas que têm que apresentar relatórios de contas no final de cada trimestre. Por isso, como o inquérito demonstra, neste campo, quase sempre, a “economia” vence a “democracia”», acrescenta.

O investigador refere que 82 por cento dos jornalistas que responderam ao inquérito «entendem que a concentração dos media é prejudicial para a liberdade editorial dos órgãos de comunicação porque, no contexto do mercado, o “cidadão” perde relevância, do ponto de vista da produção das notícias, passando para o primeiro plano o “consumidor”, que é transformado num produto vendável aos agentes publicitários».
O mestre em Ciências da Comunicação chama a atenção para o facto de 77 por cento da amostra dizer que «a concentração da propriedade dos media influencia negativamente a liberdade editorial dos órgãos de comunicação social, afectando-os na sua a produção diária e diminuindo a pluralidade de opinião». A política é, para 63 por cento dos jornalistas inquiridos, a área mais influenciada pela concentração mediática. Seguidamente, está a economia (24 por cento).

«A concentração de títulos acaba por prejudicar o direito de informação e o próprio direito à informação, um direito fundamental dos cidadãos, uma vez que limita o acesso a um conjunto de informações, cujo interesse público justificaria o seu lugar na esfera pública», alerta.

Em seu entender, «o jornalismo é, de alguma forma, a arma da democracia», uma vez que os jornalistas podem «pedir responsabilidades a quem foi eleito». «Quando a concentração tem esse efeito negativo de silenciar certas notícias, acaba também por silenciar o espírito da democracia», argumenta.

Silvino Évora diz que o que está em causa quando se fala da concentração dos meios de comunicação social «é muito mais do que a liberdade de imprensa». «A democracia é que garante a liberdade. Quando a democracia está fragilizada, a liberdade está na corda bamba», declara.

21/01/2007 (data de publicação)

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