quarta-feira, 23 de julho de 2008

«Ida à casa de banho de um jogador pode ter mais destaque do que um jogo internacional»

Petição pela pluralidade desportiva na RTP assinada, até ontem à tarde, por 1.150 pessoas


«O grande volume de notícias obriga o jornalismo a três opções permanentes: incluir, excluir e hierarquizar a informação. Através delas confecciona os seus conteúdos, que correspondem não só aos interesses do público como aos de cada meio e aos dos diversos sectores da sociedade» (Fontcuberta, 1999: 33).

Estas operações fazem parte do dia-a-dia de qualquer jornalista. É através delas que se escolhem os acontecimentos que vão merecer cobertura, que se pega numa questão para título, que se determina o espaço ou o tempo que as peças vão ter e qual vai ser o seu destaque dentro da edição ou emissão.

O trabalho publicado na edição de ontem do Diário do Minho acerca da petição pela pluralidade desportiva RTP, que já tinha sido destacada no passado domingo no suplemento Tele.Escolha, não fugiu a esta regra. Foi preciso incluir, excluir e hierarquizar, o que implicou deixar de fora algumas questões e destacar outras.

Aqui ficam todas as perguntas e respostas de Carlos Ribeiro (Vimaranes) e Pedro Morgado (Avenida Central), os promotores da petição dirigida ao ministro dos Assuntos Parlamentares e ao presidente do Conselho de Administração da RTP, que visa acabar com «a ditadura dos chamados três grandes» no serviço público de televisão.





Porque é que decidiram avançar com a petição?

Carlos Ribeiro (CR) – A pergunta poderia ser feita de outro modo: “porque é que só agora decidiram avançar com esta petição?”. Efectivamente, já há muito que concordamos – e este é um sentimento generalizado entre os adeptos dos clubes que não entram na esfera dos denominados “grandes” – que a actuação dos canais em Portugal, nomeadamente da estação pública, é deplorável e discriminatória.

Não há qualquer espécie de coerência nas grelhas das mesmas e uma total sonegação de todos os clubes de pequena e média dimensão, inclusive em jogos referentes às competições europeias, onde a representação do país é feita com mérito igual à dos ditos “grandes”, pelo que consequentemente mereceria o mesmo destaque.

Decidimos avançar por estarmos fartos destas discriminações no que concerne à escolha dos jogos a transmitir – chegando mesmo a ser considerado mais importante um jogo particular do que a representação do nosso país em competições internacionais oficiais – e da total discrepância que a RTP faz no que toca a notícias dos diversos clubes.

Esta petição visa, de um modo simples, tentar mudar algo no sistema instalado. Até porque tememos que, se nada for feito, esta diferença de tratamentos apenas terá tendência para aumentar.

Pedro Morgado (PM) – A petição surgiu da constatação de que a RTP confunde “interesse público” com “interesse do público”. Isto sucede no futebol como sucede no andebol, no voleibol e em todos os desportos. Sempre que o ABC é campeão, a RTP não faz mais do que colocar a informação nas legendas do Telejornal. Se acontecer com um dos chamados três grandes há logo entrevistas aos treinadores, aos adeptos e por aí em diante. É uma postura discriminatória e mercantilista da televisão que todos pagamos.

Quantas pessoas já assinaram?

CR – Neste momento [domingo], já ultrapassámos o milhar de assinaturas, mas o mais curioso e o que nos deixa muito satisfeitos é que o crescimento tem sido enorme e por vezes surpreendente, levando-nos a várias actualizações dos nossos blogues no que a esta temática diz respeito.

Quantas assinaturas esperam conseguir?

CR – Não temos em mente qualquer número, apenas queremos mais. Queremos que esta onda de protesto continue a crescer e que seja verdadeiramente nacional. No final se farão as contas.

A mobilização popular só acontece porque se trata de futebol?

CR – Obviamente que o futebol move multidões e é capaz de unir pessoas à volta de determinado tema como talvez outros assuntos não o consigam. Isso tem mesmo a ver com a paixão que gera e – felizmente ou infelizmente – o futebol tem essa particularidade.

No entanto, e mesmo sem que seja capaz de dizer que outro assunto pudesse angariar o mesmo tipo de mobilização entre cidades ou regiões distintas, acho que um tema verdadeiramente transversal é sempre capaz de gerar uma enorme mobilização popular, nomeadamente em cidadãos que vivam mais a sua cidade, como Guimarães, por exemplo, sem menosprezo pelas restantes.

PM – Claro que o facto de o assunto ser futebol é mais mobilizador e demonstra que também há, para lá dos três grandes, muitos adeptos de outros clubes espalhados pelo país.

Que avaliação fazem do serviço público?


CR – Avaliar algo que não existe é complicado. Simplesmente, a estação pública não cumpre, de maneira alguma, aquilo que a lei lhe exige e de uma forma propositada, apenas e só por subserviência aos poderes instalados. E enquanto nada for feito no sentido de o impedir eles vão continuar “cantando e rindo” e “assobiando para o lado” como se nada fosse e ignorando os restantes contribuintes.

Dou um exemplo claro: o Vitória esteve toda esta temporada em luta clara pela Liga dos Campeões e foi totalmente discriminado relativamente aos outros clubes, quer em blocos noticiosos quer em programas desportivos. Imagine-se que o "melhor" exemplo veio da RTPN que, no seu programa semanal de desporto, decidiu recrutar um comentador vitoriano para fazer companhia aos restantes três do costume, a duas jornadas do final.

PM – A avaliação é necessariamente negativa. Tanto a RTP como a RDP têm programas de comentário em que apenas três clubes se fazem representar. As excepções acontecem muito raramente. Nas rádios e televisões públicas, os clubes deveriam ser tratados todos por igual e não como se o campeonato se fizesse a três. É impressionante como uma ida à casa de banho de um jogador durante um treino pode ter mais destaque do que um jogo internacional de outro clube.

Porque é que defendem que o serviço público de televisão deve ter desporto?

CR – A questão nem é tanto por aí. A partir do momento em que o serviço público de televisão inclui desporto na sua grelha, o mesmo terá necessariamente de ser igualitário. Ou seja, se há para uns, terá de haver para outros. As regras da coerência, do bom senso e da democracia assim o exigem.

PM – Porque o desporto é uma actividade económica e de entretenimento relevante e que tem projectado o país internacionalmente. Se se fizer uma pesquisa na Internet, depressa se verifica que há uma relação directamente proporcional entre o número de vezes que a palavra “Braga” é citada em notícias e os sucessos desportivos do clube.

O futebol deve ser tratado individualmente ou integrado no mesmo "bolo" que as outras modalidades?

CR – Logicamente que nesse aspecto também não tenho qualquer tipo de dúvidas: mesmo que o futebol seja aquela que consegue gerar mais receitas e maiores audiências, por uma questão de respeito pelas restantes modalidades, até mesmo em relação àquelas que nos vão dando tantas alegrias, o destaque deveria ser idêntico, principalmente em blocos informativos de desporto.

PM – Na minha opinião, deve ser integrado no mesmo bolo que as outras modalidades dentro das estações de serviço público.

Que espaço deve ser dado ao futebol na RTP? Em que canal?

CR – O espaço e a relevância dados ao futebol devem ser mantidos – ou até reduzidos –, redistribuindo-se os tempos dedicados às competições nacionais e internacionais por todos os clubes que nelas participam.

PM – A escolha do canal será certamente, e na minha opinião, dos seus administradores e daquilo que acharem que melhor poderá cumprir o serviço público de televisão. O espaço terá de ser aquele que os contribuintes reclamam e a procura também, sem tornar como é evidente a estação pública um canal de desporto, que não o é, nem pode vir a ser. Conta peso e medida, para isto e para tudo.

Que diferença se deve ou não estabelecer entre a selecção nacional e os clubes?

CR – Entre os jogos internacionais dos clubes nacionais e os das selecções, simplesmente nenhuma, porque em causa está a representação do país. Mas creio que ninguém se queixará do facto de a selecção nacional ter sempre um destaque mais alargado do que os jogos dos clubes, sem que isso signifique entrarmos em transmissões desnecessárias e até a roçar o ridículo. No entanto, em causa está a diferença de tratamento entre jogos de carácter semelhante, dos ditos grandes e dos outros.

PM – Parece-me que também houve um excesso em termos de cobertura mediática da selecção nacional. É inconcebível que a RTP entre numa lógica populista, transmitindo as viagens de autocarro da selecção tal como fizeram à mesma hora as congéneres privadas. É suposto que a RTP seja uma verdadeira alternativa. Quando embarca na ditadura da maioria, a alternativa esvai-se.

O futebol que passa na RTP deve ser só a Liga Sagres e as competições internacionais? E as outras competições?

CR – Com o aparecimento dos canais privados e da SportTV tornou-se impossível para a RTP continuar a passar os jogos do principal campeonato, por questões de ordem financeira. E creio que assim deverá continuar porque o canal e o Estado não podem entrar em loucuras. As competições internacionais, até por causa dos nossos emigrantes, devem continuar a passar pela grelha da RTP. Mas, mesmo que não passem, tem é de haver igualdade de tratamento no que se refere aos vários participantes portugueses nas provas.

PM – A RTP deve evitar passar jogos amigáveis. É uma espécie de favor que faz a determinados clubes. A RTP não deve competir com as outras estações, embarcando numa lógica de mercado. Se assim for, deixa de fazer sentido pedir às pessoas para pagarem uma televisão pública.

Que critérios propõem para a transmissões dos jogos de clubes (número de adeptos, posição na tabela classificativa, competições internacionais)?

CR – Como já referi, e apenas falando dos jogos internacionais, não há razão alguma para, independentemente do clube em causa – tenha mil ou 10 mil adeptos – os seus jogos não passarem pela estação pública.

PM – O critério da posição na tabela classificativa é um critério válido, mas a RTP deve nortear-se pelos princípios da pluralidade, da representatividade e da proporcionalidade.

A que preço devem ser feitas as transmissões? Deve a RTP competir com as privadas na compra do direitos de transmissão?

CR – A RTP não pode, naturalmente, entrar em loucuras desmedidas que a possam fazer regressar a um passado recente de descontrolo financeiro e por isso, deve ser rigorosa na análise do seu orçamento e até onde poderá chegar. A competição terá de fazer sempre mediante as possibilidades orçamentais do canal. Não pode, obviamente, haver transmissões a qualquer preço. Nem de futebol, nem de qualquer outra coisa.

Acreditam que iniciativas como esta podem ter algum resultado prático?

CR – Não sei se podem, mas devem. A RTP tem responsabilidades acrescidas por se tratar de uma estação pública e, por isso, é seu dever tratar o país por igual e acima de tudo entendê-lo e compreendê-lo, sem que se feche em si mesmo e faça “ouvidos moucos” a este e a outros protestos. Se quer continuar a merecer o epíteto de serviço público, não terá outra opção.

PM – Se a RTP permanecer no seu autismo, teremos todo o direito de exigir que o Estado deixe de nos taxar e poderemos utilizar esse dinheiro para financiar projectos privados que vão ao encontro das nossas necessidades.

Planeiam mais alguma iniciativa?

CR – O mais importante será perceber até onde isto irá chegar. Queremos conseguir o maior número de assinaturas e o devido destaque dos órgãos de comunicação social para este protesto que se quer nacional e fazer chegar isto aos responsáveis da estação pública. Depois se verá.

(Imagens retiradas dos blogues promotores da petição)

Sem comentários: