quinta-feira, 19 de junho de 2008

Órfãos da televisão


O presidente da Associação de Festas de S. João de Braga aproveitou o início do programa deste ano para desafiar «os grandes meios de comunicação social do país a virem a Braga e a divulgarem nas suas notícias as festividades que se realizam em honra ao santo popular». Vítor Sousa fez uma referência particular à RTP, que é paga com o dinheiro dos contribuintes e que, como tal, tem responsabilidades acrescidas.

As queixas da falta de atenção da televisão pública ao que se passa no país são recorrentes e não surgem apenas de localidades que geograficamente ficam distantes dos centros de decisão, como por exemplo Paredes de Coura, cuja Assembleia Municipal aprovou há algum tempo um voto de repúdio pela «deficiente» cobertura que a RTP faz dos acontecimentos e iniciativas do concelho.

Algumas terras já se habituaram a ser notícia apenas e só quando alguma situação dramática acontece, numa tradução prática do critério de noticiabilidade da negatividade, que é referido, com esta ou com outra designação do mesmo género, por praticamente todos os autores que se têm debruçado sobre a matéria.

«Até tremo quando ouço falar em Guimarães. Lá vem borrasca. “Jovem matou cão à dentada”, “adeptos do Leixões acusam adeptos vitorianos de partirem vidros às camionetas” ou “jovem violada no Enterro da Gata”. É por isso que nunca espero ouvir falar de Caldas das Taipas nas nossas televisões, nem imagino a tragédia que teria de acontecer, neste meio, para a vila aparecer nesses canais», escreveu recentemente Alfredo Oliveira.

O lugar de ocorrência dos eventos, o local onde os “media” estão sediados e os centros onde o poder é exercido são outros factores que justificam que determinado assunto seja incluído ou excluído na agenda dos meios de comunicação social. O que se verifica é que existe, muitas vezes, uma concentração excessiva de notícias invariavelmente dos mesmos sítios e com as mesmas pessoas, servindo as idas ao chamado “país real” para preencher a quota de boçalidade que parece ser obrigatório cumprir.

Se é verdade que há razões objectivas para queixas, também é inegável que existe não raras vezes uma obsessão desmedida com o desejo de aparecer na televisão, como se a caixinha mágica desse acesso a uma espécie de Olimpo. E este traço é comum aos anónimos que são capazes de telefonar primeiro para a televisão do que para as autoridades competentes e aos políticos mais sofisticados na criação de pseudo-eventos.


[Reflexão começada no Trio de Rachar e publicada ontem no Diário do Minho]

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