quarta-feira, 2 de abril de 2008

Livro de Rosa Cabecinhas apresentado na Centésima Página


A professora da Universidade do Minho Rosa Cabecinhas lança amanhã, a partir das 19h00, na Centésima Página, o livro “Preto e Branco – A naturalização da discriminação racial”.

Na melhor do que o prefácio da orientadora da tese de doutoramento que esteve na base desta obra, Lígia Amâncio, para se perceber a pertinência do tema e do rigor científico da abordagem.

«O racismo é um tema ausente do debate público em Portugal. E isto, apesar do quotidiano nos dar sinais dramáticos da sua existência e da investigação sobre o tema nos trazer abundante evidência do fenómeno. Crimes de ódio racial e de género como os de que foram vítimas mortais Alcino Monteiro em Lisboa, Gisberta no Porto, ou agressões homofóbicas em Viseu, não suscitam movimentos colectivos de indignação, nem sequer sobrevivem, nos próprios meios de comunicação social, que começam por lhes dar visibilidade, a um outro qualquer “fait divers” do quotidiano político português.

É a indiferença institucional, perante este tipo de crimes, e a imobilidade colectiva que distinguem a sociedade portuguesa de outras democracias onde os crimes raciais, homofóbicos e as manifestações de anti-semitismo, como a que recentemente ocorreu no cemitério israelita de Lisboa, suscitam a imediata reacção dos responsáveis políticos e da sociedade civil por constituírem comportamentos intoleráveis face aos direitos humanos e aos princípios fundadores das sociedades democráticas.

A singularidade no modo da sociedade portuguesa lidar com estas questões, em comparação com outras sociedades democráticas, tem origem em dois défices que permanecem profundos, apesar das extraordinárias mudanças que ocorreram nos últimos 30 anos: o défice de consciência histórica e o défice de conhecimento. [...]

Estes dois défices contribuem para definir um contexto em que um crime de ódio ou uma manifestação flagrante de preconceito são, em geral, tratados como acontecimentos isolados, protagonizados por indivíduos marginais à sociedade, também eles tratados como casos raros. Face a acontecimentos de extrema gravidade, os discursos políticos e institucionais parecem ser movidos pela preocupação de combater o reconhecimento do racismo como um facto social e de manter a sociedade portuguesa estranhamente imune a uma doença de que apenas padeceriam seres estranhos.

O trabalho apresentado neste livro, que resulta da tese de doutoramento da autora, premiada pelo Alto Comissariado para a Imigração e as Minorias Étnicas em 2004, constitui um contributo fundamental para colmatar o défice de conhecimento sobre o racismo [...].

O racismo é aqui analisado na sua complexidade, no plano cognitivo e individual, certamente, mas também na sua vertente de memória colectiva que alimenta as crenças e as representações sobre determinados grupos sociais, e na sua ligação a dinâmicas de categorização social que traduzem hierarquias simbólicas e de estatuto, geradoras de desigualdades.

O racismo adquire assim toda a sua dimensão de fenómeno social, fortemente enraizado na(s) sociedade(s) e na sua memória colectiva, que é aprendido, e reproduzido de forma inconsciente ou naturalizada, se não for contrariado por um esforço de reflexividade. Enquanto obra de referência nesta área de investigação que passará a ser, este livro suscita, ainda, no plano cívico, a necessidade urgente de reflexão na sociedade portuguesa sobre as relações entre diferentes grupos sociais e sobre o reconhecimento do outro, enquanto indivíduo, prescindindo do estereótipo do seu grupo de pertença.

O combate ao racismo faz-se de diversas formas, desde a punição exemplar dos crimes violentos de natureza racista à afirmação dos valores civilizacionais de igualdade e respeito pela dignidade dos seres humanos. A autora deste livro fê-lo também, através dos instrumentos que melhor domina, construindo conhecimento rigoroso e aprofundado e devolvendo-o a todo(a)s aqueles e aquelas que querem saber mais para viver melhor
».

Lígia Amâncio

Sem comentários: