domingo, 24 de fevereiro de 2008

«Braga precisa de mudar de vida e de alguma medicação»





Bloggers promoveram debate sobre urbanismo e saúde mental



Braga não está irreversivelmente doente, mas precisa de mudar de vida e de alguma medicação para voltar a ser saudável. A terapia passa pelo planeamento e pela participação mais activa dos cidadãos na vida da cidade. O diagnóstico foi traçado no dia 28 de Janeiro, na Velha-a-Branca, num debate promovido por seis blogues da região, que teve sala cheia. O professor de Geografia Miguel Bandeira e o médico interno de Psiquiatria João Bessa falaram de urbanismo e saúde mental, que afinal se revelaram temas com mais pontos de ligação do que se poderia pensar.

Miguel Bandeira explicou que vê Braga «como um miúdo a comer pipocas em frente à “playstation” e a ficar obeso». Mas, ao mesmo tempo, também vê a cidade «a ficar anoréctica porque não come as coisas de que necessita para o seu equilíbrio». Em seu entender, Braga precisa de «mudar de hábitos», de forma a combater o colesterol que lhe entope as veias. A falta de planos de urbanização e de circulação é um dos factores que mais contribui para esta patologia. Analisando o estado de saúde da cidade, o docente destacou que há, portanto, aspectos que são positivos, mas também outros que precisam de ser trabalhados.

Miguel Bandeira argumentou que Braga teve, na década de 40, um anteplano de urbanização feito por Etienne de Groer, que era professor do modelo que ficou conhecido pelo nome de cidade-jardim. Na sua opinião, Braga «conservou o estigma da cidade-jardim», uma vez que o plano previa, por exemplo, «a criação de um espaço verde de ligação entre o Picoto, S. João da Ponte e o Fujacal, o Parque Norte e uma via de cintura interna». No lado dos aspectos positivos, o académico destacou também o facto de Braga ter uma população jovem, que lhe dá vitalidade e a transforma em motivo de inveja por parte de outras cidades que querem ter massa crítica.

Na lista de hábitos a modificar, referiu a falta de planeamento, que se traduz em factos como a ameaça que paira sobre as Sete Fontes, o crescimento de uma “favela” com moradias de luxo todas encavalitadas ou a ausência de um investimento em espaços verdes proporcional ao crescimento da cidade. «Sou um pio crente no planeamento. Não é possível pensar a cidade sem racionalidade, sem estratégia, sem planos consensuais», afirmou.

Para o professor universitário, um dos factores centrais tem igualmente a ver com «a saúde da própria fluidez democrática da cidade», lamentando a «falta de debate». Em seu entender, os bracarenses têm de fazer um esforço para deixarem de ser conformistas e actuarem com sentido cívico.

Uma relação antiga

Miguel Bandeira defendeu que a relação entre as questões da saúde e do ordenamento do território é «uma antiga área do saber e de trabalho», exemplificando que o modelo romano de Vitrúvio, que serviu de base ao urbanismo do Renascimento, tinha como preocupação a orientação das ruas aos ventos predominantes. Questões como o arejamento e sanitarização das cidades já estavam aí presentes.

Sobre a relação entre urbanismo e saúde mental, este académico apontou alguns factores que poderão potenciar desequilíbrios. Entre eles estão «aspectos tão elementares» como a concentração de pessoas, a intensidade de tráfego, o rácio espaços construídos/espaços verdes, a insolação das habitações ou a rede colectiva de espaços culturais.

Na lista de motivos para preocupações constam também os engarrafamentos do tráfego, que são um factor que estimula o stress, ou a não programação dos transportes públicos, que faz com se juntem muitas pessoas nos autocarros nas horas de ponta. Para além disso, destacou que não há noite nem dia nas cidades, o que poderá ter implicações na vida das pessoas.

O docente sublinhou os problemas cada vez mais prementes ligados à geriatria: a terciarização dos centros históricos das cidades relegou os idosos para os últimos pisos dos imóveis, que muitas vezes não têm condições básicas, como elevadores ou instalações sanitárias adequadas. Este fenómeno leva a que haja casos de solidão, de isolamento e de pessoas que não conseguem responder às «exigências de socialização urbana», como por exemplo usar o multibanco ou preencher impressos.

Miguel Bandeira disse ainda que as grandes praças dos centros das cidades «estão mortas, sem vida, sem interacção». «A revitalização do espaço público pode estar na base da revitalização das cidades», argumentou. Por outro lado, ressaltou os «desequilíbrios» que fazem com que, em Braga, segundo números oficiais, haja 15 mil alojamentos vazios. Isto significa que a cidade poderia, facilmente, incorporar outra como Chaves.

Em seu entender, «ainda não cumprimos a modernidade para estarmos a debater a pós-modernidade», uma vez que há cidades que «não acautelam as paisagens terapêuticas, com áreas edificadas e superfícies livres, que não planeiam os caudais de tráfego e que não agilizam a vida num espaço urbano».

(Publicado no Diário do Minho de 30/01/2008)

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