domingo, 30 de dezembro de 2007

A cultura de blogue nacional


«Os blogues, a blogosfera, são um facto cultural novo nos últimos cinco anos. Não abunda assim tanto a novidade no domínio lato da cultura, para que possa passar despercebida, ou melhor, notada mas não percebida, ou erradamente percebida. Muita coisa nos blogues vem em continuidade do passado, existia noutros meios e sob outras formas, mas mesmo a que apenas fez a transmutação dos “media” clássicos para os blogues como “media” mudou também com o meio. Mudou e continua a mudar.»

[...]

«O que se passa é que esse verdadeiro mostruário em linha, feito de mil egos à solta, revela mesmo a nossa pobreza, a nossa rudeza, a falta de independência face aos poderosos, aos grandes, pequenos e médios, os péssimos hábitos de pensar a falta de estudos e trabalho, de leitura e de “mundo”, que caracterizam o nosso “Portugalinho”. Nem podia ser de outra maneira.»

[...]

«Para uma geração de jovens que só lê escassamente os jornais, para além dos desportivos e dos gratuitos, a "cultura de blogue" começa a deixar os seus traços próprios: redução da temática considerada "importante" ao que é discutido nos blogues, valorização do posicionamento comprometido, de "prós e contras", maior radicalismo político e opinativo, mecanismos de identidade grupais ou tribais [...]. Está longe de ser uma boa escola, mas é a escola, mais intolerante, mais a preto e branco, mais agressiva nas opiniões e menos ponderada, mas também mais democrática no sentido em que envolve muito mais gente do que a que em qualquer altura teve sequer a veleidade de ter opinião, muito menos dá-la. Não é um fenómeno "mau" por si só, tem também aspectos "bons", na proporção desigual que é habitual para Portugal nestas coisas, mas caminha para ser um instrumento suplementar que reforça as duas tendências em curso nos nossos dias: a da substituição da democracia pela demagogia e a espectacularização da sociedade.»

«A blogosfera é tão avessa à critica como os “media” tradicionais, com a agravante de que o envolvimento narcísico é tão forte que, mesmo dentro de blogues colectivos, a mais pequena fractura se torna explosiva. Os blogues não gostam de ser objecto de críticas e, como é óbvio, tem uma alta noção de si próprios e estão tão cheios de autocomplacência e de elogios mútuos que consideram uma anátema qualquer discurso que lhes pareça exterior e que os ponha em causa, a eles e às regras do jogo que estabeleceram.»


José Pacheco Pereira, historiador
Público, 29 de Dezembro pag. 37

Sobre esta questão ver Rogério Santos aqui, Carlos José Teixeira aqui e Paulo Querido aqui.

1 comentário:

cjt disse...

Cara Luísa:

Grato pelo apontamento do qual só agora me dei conta!
[por manifesta falta de atenção aos pormenores de estatísticas e quejandos... não nasci lá muito para isso]

Abraço,
CJT