segunda-feira, 27 de setembro de 2010

A ver os comboios

© Luísa Teresa Ribeiro

 O secretário de Estado dos Transportes lamentou, recentemente, que os comboios portugueses não transportem «tantas pessoas quanto deveriam» e apelou aos cidadãos para «utilizar este transporte em vez de apenas reivindicar mais serviços». «Temos linhas carregadas, mas há linhas no interior em que as populações, autarquias e certas forças reivindicam mais e mais comboios, mas parece que querem vê-los, porque quando olhamos para as pessoas que realmente andam, são poucas», disse Carlos Correia da Fonseca, citado pela agência Lusa.

O apelo do secretário de Estado à utilização do comboio é importante, especialmente quando dirigido aos mais jovens. Contudo, o que este responsável governamental não referiu é que provavelmente as pessoas não usam o comboio, nem outro transporte público, porque não têm ao seu dispor serviços de qualidade, que lhes permitam chegar a tempo ao local de trabalho, de uma forma tão ou mais cómoda do que se forem de automóvel particular.

Antes de desafiar a população a usar a ferrovia é necessário criar horários adequados à necessidades das pessoas. Em alguns casos, por escassos minutos, há comboios que não têm ligações uns com os outros. Mesmo naqueles em que, pelo horário, essa ligação deveria ser garantida, o carimbo vermelho colocado no bilhete a dizer que «as ligações entre comboios só são asseguradas em condições normais de circulação» deixa logo os passageiros “de coração nas mãos”.

A falta de articulação torna-se ainda mais flagrante quando se pensa em usar diversos meios de transporte, obrigando quem recorre a estes serviços a autênticas odisseias, muitas vezes com sacos às costas. A rede de transportes públicos em Portugal é uma miséria, embora também seja igualmente verdade que as pessoas adoram levar o carro para todo o lado.

Há muito que já se percebeu que os transportes públicos ficam mais baratos para os bolsos dos utilizadores e são mais ecológicos, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida, por isso importa olhar com especial atenção para este sector. Corremos o sério risco de esgotar a discussão em torno do TGV, quando a questão é mais vasta e mais profunda. Enquanto se anda no avança e recua em relação à grande velocidade, há linhas de caminho de ferro que continuam a definhar. E a situação não se altera só com apelos bem intencionados para que as pessoas usem o comboio...

[Publicado no Diário do Minho, 25 de Setembro de 2010]

1 comentário:

Anónimo disse...

E que odeisseias. Para ir para a universidade uso o carro até à estação de partida, dois comboios (sendo que, na maioria dos dias, o 1º deles atrasa e, consequentemente, perco o segundo -por 2minutos) e, por fim, o autocarro.
E, horas depois, faço tudo de novo, em sentido inverso.

Já nem me atrevo a falar dos preços, que levam sempre a discussões acessas. Mas enquanto o Estado não se empenhar em verificar para onde são canalizadas as indemnizações compensatórias que atribui à CP ou à Refer, nada vai mudar. Continuarão a haver comboios atrasados, por más condições das linhas, empurranços de responsabilidades de um lado para o outro e pessoas que chegam atrasadas aos seus locais de trabalho. Compensará, afinal, andar de transportes públicos?

Não me parece.