segunda-feira, 25 de maio de 2009

Internet está a mudar as relações entre as pessoas

Professor da Universidade do Minho fala do mundo da comunicação

O professor da Universidade do Minho Luís Santos defende que a Internet está a contribuir para a mudança das relações entre as pessoas. O investigador do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade duvida que seja possível continuar a imaginar a vida social organizada de acordo com estruturas tão compartimentadas como até agora. O antigo jornalista ressalva que não são as ferramentas que determinam a forma como vivemos a nossa vida e considera que pode ser agoniante andar a saltar de novidade em novidade como se cada uma delas fosse a definitiva.


O que é que se está a passar no mundo da comunicação?
Uma mudança no centro gravitacional dos processos. Se durante alguns anos se disse que se trabalhava para o leitor, para o ouvinte e para o telespectador, na realidade os produtos eram concebidos com base em dados estatísticos que apontavam para a massa, para a qual se trabalhava. Apesar de não ser daqueles que acham que se está quase no lugar oposto, no triunfo da leitura, da escuta e do visionamento individual, em que o indivíduo é que tem o comando total do processo, penso que o desequilíbrio nos pratos da balança alterou-se de alguma maneira.

Nos últimos anos, sobretudo depois de 2003-04, assistimos ao aparecimento de uma série de ferramentas, através da Internet, de auto-publicação e de criação de redes sociais, que permitem aos indivíduos, por um lado, seleccionarem com muito mais detalhe as suas dietas pessoais de “media” e, por outro, partilhar o que vêem, ouvem e lêem, mas também o que pensam.

Apesar disso ter acontecido na Internet, seria errado pensar que este é um fenómeno que se confina à Internet. Isto teve, está a ter e terá ainda mais ramificações noutros meios. Hoje em dia não se concebe uma relação entre quem faz um jornal e os seus leitores que não passe por alguma forma incrementada de atenção ao que as pessoas pensam. São muitas as tipologias de interacção, desde a disponibilização dos endereços de correio electrónico dos jornalistas a espaços para comentários, mas elas existem e não se confinaram à Internet.

Esse potencial está a ser aproveitado?
O campo tornou-se muito mais complexo, mas também mais rico. Hoje já é difícil identificar fluxos de informação muito lineares de quem produz para quem consome. Contudo, há muitos órgãos de informação que só nominalmente é que estão a aproveitar estas novas potencialidades: disponibilizam os endereços de correio electrónico dos jornalistas ou espaço para blogues, mas é quase só porque parece bem terem estas ferramentas, uma vez que depois nada fazem com aquele material.

Para além disso, há nalgumas sociedades, e Portugal será um exemplo disso, um défice de participação cívica. Durante anos e anos, as pessoas habituaram-se a não interagir com frequência e com facilidade com os jornais. Lembremo-nos que, há 10 ou 15 anos, para se interagir com os jornais, era preciso escrever uma carta ao senhor director, pôr um selo e metê-la no correio, o que implicava um investimento pessoal muito grande em termos de tempo e dinheiro. Eventualmente, passadas umas semanas, recebia-se uma resposta-tipo de três linhas a dizer que o jornal agradecia o comentário.

Podemos ter da parte dos “media” alguma resistência a aceitar a “interferência” dos leitores, ouvintes, telespectadores, mas também podemos ter os cidadãos a acharem que não vale a pena participar, pois o que vão dizer não vai ser escutado. A combinação destes processos leva a que a participação ainda seja limitada, muito pouco dinâmica, e que haja poucos resultados efectivos da contribuição dos leitores, ouvintes, telespectadores para a definição do produto que é apresentado.

Este cenário implica que os diferentes actores reaprendam os seus papéis?
Se imaginarmos o melhor cenário possível, implica, de facto, alterações para todos os actores. Há quem imagine o pior cenário possível, que é dizer que os “media”, nesta altura, já são redundantes: já não precisamos dos jornais, da rádio e da televisão porque o cidadão individualmente vai à procura da informação. Pessoalmente, considero que, pelo menos para o enquadramento português, isso não tem nenhuma sustentação na realidade. A maior parte das pessoas não teria sequer competências básicas de domínio das ferramentas para procurar a informação relevante.

Por outro lado, continuo a acreditar que as pessoas, tal como confiam nos médicos, advogados, professores ou polícias, também confiam num profissional que seja capaz de, com honestidade, lhes dar uma imagem do que está a acontecer. A nossa sociedade sedimentou-se com base na especialização e delegamos nas outras especialidades a gestão de parte da nossa vida. Esse funcionar social ainda mantém alguma validade. Há já muitas mais nuances nesse viver, mas ainda mantém alguma validade.

Mesmo mantendo-se alguma validade, isso não quer dizer que as posições relativas de cada actor neste processo se tenham mantido estáticas. Ser jornalista hoje em dia é muito mais exigente do que há 20 anos. Ser jornalista hoje já não significa só saber escrever bem e integrar-se bem numa redacção. Significa estar muito mais atento ao que as pessoas dizem, integrar muito mais os seus contributos e ter uma atitude que eventualmente nos últimos anos não foi tida, que é a de honesta humildade, que passa por pensar que se sabe muito pouco sobre determinado assunto, procurar quem sabe mais e apresentar isso de forma transparente, para que possa ser julgado.

Há uma mudança interessante na profissão: sendo necessário que seja mais especializada, mais fiel aos factos, também é preciso que se abra mais. O jornalismo vive entre a pressão para se especializar, para ser mais consistente, mais competente, mas igualmente para se abrir mais e para integrar mais os contributos das pessoas.

E os cidadãos?
A educação para os “media” é uma competência que teria de estar mais vincada no currículo do ensino obrigatório. Se há 20 ou 30 anos ser competente para estar atento aos “media” envolvia pouco mais do que saber ler bem, hoje isso é insuficiente porque o mundo é muito mais complexo e globalizado e as coisas acontecem a um ritmo muito maior.

Se há mais exigências para os jornalistas também há mais exigências para o cidadão. Os cidadãos devem não só perceber os conteúdos que lhe são oferecidos, mas saber utilizar ferramentas de interacção para, se tiverem vontade, exprimirem a sua opinião, para fazerem sugestões, para publicarem conteúdos.

Se, por um lado, temos uma cultura informativa que parece ter valorizado mais o cidadão, por outro, o cidadão também tem de se valorizar mais a ele próprio. Não chega os jornais abrirem espaços para a participação. Importa que as pessoas também saibam participar e acrescentar valor, com respeito, dignidade e correcção. Uma das queixas que às vezes é usada como desculpa para não se abrirem mais os jornais aos contributos dos leitores, é que, quando se abrem as caixas de comentários, metade são insultos ou insinuações não comprovadas. Há um caminho a percorrer por parte das empresas, dos jornalistas, mas também por parte dos cidadãos. Se quero ter o direito a participar, tenho de saber participar...

Esta é uma indústria que está habituada a reinventar-se, pelo que acredito que a empresa, o jornalista e o cidadão vão saber reinventar os seus lugares relativos nesta relação, que se espera mais equilibrada.

É ponto assente que o que se passa na Internet não pode ser ignorado?
O que se passa na Internet não pode ser ignorado, mas também não pode ser sobrevalorizado. Agora já se fala menos dos blogues – fenómeno que sempre achei que não devíamos sobrevalorizar – e fala-se mais de redes sociais. Estas são ferramentas que estão, de facto, a mudar as relações sociais entre as pessoas. Elas estão a aproximar pessoas, na medida em que permitem barreiras geográficas ou de outro tipo que se criariam naturalmente no convívio pessoal. Através das ferramentas da Internet, as pessoas ligam-se pelas ideias e não pelo que vestem.

No entanto, não sou ingénuo ao ponto de pensar que nestas redes não se replicam estruturas de poder, porque se replicam; que não se replicam comportamentos desviantes, porque replicam. Para o melhor ou para o pior, na “net” não estão uns seres transparentes e limpinhos, estamos nós. Na “net” estão as pessoas, que têm comportamentos de pessoas.

É muito difícil argumentar que estas coisas continuam apenas a ser uma moda. Já são moda há demasiado tempo. Elas vão-se reconfigurando, mas há um padrão, há traços permanentes: o indivíduo vai ter múltiplas formas de se auto-exprimir, de auto-publicar os seus materiais e de se relacionar com os outros não presencialmente.

As novas redes sociais “online” podem provocar uma reconfiguração da sociedade?
Apesar de todos os exageros e coisas erradas que existem, este momento tem a vantagem de ser de pureza, em que as estruturas pesadas do nosso viver social ainda não têm um domínio destes espaços. As pessoas conseguem organizar-se por interesses pessoais, por temas. É muito natural que as estruturas tradicionais percebam que têm de estar presentes e tentem entrar e que se venha a perder alguma inocência da organização “ad hoc”.

Contudo, não sei se vai ser mais possível continuarmos a imaginar que a nossa vida social se organizará de acordo com estruturas tão compartimentadas como até agora: para as reivindicações laborais temos os sindicatos, para votar temos os partidos, etc... Imagino que as pessoas vão querer ter associações mais livres, menos permanentes, mas mais de acordo com os seus interesses de determinado momento. Nesse enquadramento, pode ser que as pessoas estejam menos tempo presas às coisas, mas tenham mais disponibilidade para se ligarem a mais coisas. Esse será um mundo mais flexível. Não acho que isso seja necessariamente bom ou mau. O que importa é adaptar a nossa presença a essa realidade.

Ai de quem não usar a última ferramenta disponibilizada?
Como em todas as áreas, há quem ache que o próximo canivete é o canivete mágico. É a coisa que nos vai livrar de todos os problemas. Agora é que é. Mas, na verdade, até agora nunca tem sido porque o que nós fazemos com as coisas é utilizá-las para a nossa vida. Não são as ferramentas que determinam a forma como vivemos a nossa vida. O que fazemos é apropriarmo-nos das ferramentas para lhes dar uma determinada utilização. Se nos facilitam a vida nós utilizámo-las, se não facilitam deixamos de usá-las. A nossa vida vai mudando, mas tem muitas permanências.

Acho muito salutar estar atento às ferramentas e usá-las de uma forma salutar. Deve ser uma existência muito agoniante embarcar nesta moda e daqui a três meses mudar para outra coisa nova e assim sucessivamente, sempre com a sensação de que estamos de fora. Com certeza estamos sempre de fora de alguma coisa. Temos é que perceber o que é que para nós é importante. Se determinadas coisas forem importantes para a nossa vida, é importante participarmos nelas. Se não forem, não vejo problema nenhum em não participarmos.

[Publicado no Diário do Minho, 18 de Maio de 2009]

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